«No suplemento Pública, de 7/10/07, de uma forma bastante original, aconteceu filosofia. Três figuras e uma semi-figura (que aparentemente servia de mediadora, mas que no decorrer do diálogo se deixou conduzir pelos supostos entrevistados) protagonizaram uma trama pouco comum na imprensa portuguesa. Desprovidos de complexos e sem ataques de erudição histérica, deixaram o pensamento fluir, a partir do mote "Perdemos a capacidade de filosofar?"
Os intervenientes desta entrevista com um estilo aproximado de um simpósio foram: Pedro Amaral (compositor), José Pedro Serra (professor de Cultura Clássica) e Sarah Adamopoulos (jornalista e escritora), conduzidos por Inês de Barros Baptista.
José Pedro Serra defende que a filosofia é, acima de tudo, uma fatalidade, acrescentando, sobre o problema da perda do filosofar: "Eu repito: não acho que se possa dizer que perdemos, ou deixámos de perder. A questão não se coloca nesse plano, pois, nesse plano, é meramente uma capacidade psicológica que uns podem ter e outros não... O modo como nós nos referimos ao real, o modo como o real se ergue perante nós é, original e filosoficamente, imposto. Mesmo quando falamos de sociedades materialistas, ou de valores, a nossa linguagem já está impregnada de filosofia."
Pedro Amaral considera que não perdemos a capacidade de filosofar, aliás nunca estivemos tão próximos dela: "A pergunta como foi feita - perdemos a capacidade de filosofar? - implica que já a tivemos. E é aí que eu discordo, pois penso que não só não perdemos, como temos maior capacidade agora". Contudo, o argumento que apresenta não é consideravelmente forte, recorrendo à estatística para mostrar que as pessoas interrogam-se hoje mais do que no passado, devido ao melhoramento das condições económicas e à possibilidade de escolarização.
Sarah Adamopoulos toma uma posição mais pessimista, alegando: "A filosofia trata de indagar e de encontrar explicações a partir de princípios imutáveis. E a sociedade, tal como existe, não favorece isso. As pessoas não pensam, não reflectem, não se questionam."
Seria legítimo que este tipo de simpósios passasse a constar dos suplementos dos jornais de referência para fomentar o espírito problematizador, que é fundamental para o avanço qualitativo de uma sociedade. Que, por outro lado, filósofos profissionais pudessem revelar o fruto dos seus trabalhos e fossem avaliados pelo público que se interessa pela actividade filosófica. Afinal, a prova de que há oportunidade para pessoas que não estão ligadas à filosofia puderem exprimir os seus julgamentos sobre esta área, é um sinal positivo de que ela vai acontecendo, mesmo que seja pé ante pé, como convém que seja.»
reflexão de Valter Boita, no Café Filosófico de Évora
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