Há boas notícias, vindas do outro lado do Atlântico, para quem consagrou os seus anos universitários ao estudo e aprofundamento de disciplinas hoje consideradas como de "difícil saída profissional".
Trata-se, concretamente, do caso de algumas empresas norte-americanas, que decidiram recrutar, para os seus conselhos de administração, quadros com formação superior em Filosofia. E admitem também alargar o processo com o recurso a historiadores ou sociólogos.
A explicação tem a ver com o facto de, mergulhados em cash flow, EBITDA, tableau de bord, downsizing e outros indicadores ou acções similares, os gestores perderem, com frequência, o contacto com o mundo real, com as necessidades das pessoas, perderem mesmo, em algumas circunstâncias, a capacidade de arquitectarem uma visão e um pensamento global sobre o meio em que se movem.
A combinação de saberes diferenciados, a nível da decisão de topo, terá, segundo os precursores da iniciativa, vantagens em matéria de análise crítica, de conhecimento dos mercados e de programação a prazo.
Os cépticos do costume poderão reagir com um simples encolher de ombros e profetizar que tudo isto não passa de uma "americanada", a ser em breve esquecida e substituída por outra novidade, produto do delírio criativo de um qualquer "iluminado". E é verdade que haverá, no mínimo, que esperar para ver se os resultados da gestão empresarial retirarão benefícios reais deste recrutamento invulgar.
A História está repleta de considerações díspares acerca da disciplina do pensamento, desde, por exemplo, São Paulo, na Epístola aos Colossenses ("Cuidado, não vos apanhem com a filosofia, essa quimérica negaça"), ou Shakespeare, pela voz de Hamlet ("Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que a vossa filosofia pode supor"), até Descartes ("Viver sem filosofar é o que se chama ter os olhos fechados sem nunca os haver tentado abrir") ou Nietzsche ("O esforço dos filósofos tende a compreender o que os contemporâneos se contentam em viver.") De qualquer forma, quem teve o privilégio de se encontrar com a Filosofia através da mediação de um professor inspirado sabe bem o que ganhou em "sabedoria" e "compreensão".
Impressiona, portanto, a decisão do Ministério da Educação de acabar com o exame nacional na disciplina, obrigando as universidades com licenciaturas em Filosofia à decisão surrealista de seleccionar outra matéria para a prova específica de acesso ao curso.
A liberalização do ensino superior ocorrida nas últimas décadas, no que respeita à oferta e ao acesso, não originou, como se sabe, um aumento da qualidade média do ensino prestado ou da formação dos jovens licenciados. As razões são conhecidas, estão suficientemente dissecadas e não cabem no âmbito deste artigo. E também se conhece o drama da legião de desempregados - ou "mal empregados"... - que convivem com a amargura do sentimento de inutilidade dos anos de estudo específico.
Não se percebe é como a desvalorização da Filosofia poderá contribuir para corrigir estes desequilíbrios. Ignorantes sobre a História da "sabedoria", mais mal treinados para pensar e para compreender um mundo com contornos cada vez mais complexos, os jovens do futuro estarão, obviamente, bem mais desarmados perante a vida.
Artigo de Mário Bettencourt Resendes (jornalista)
DN, 04 de Janeiro de 2007
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